16.7.09

Mostra Baseado em Caso Real

De 21 de julho a 02 de agosto, o CCBB de Brasília será sede de mais uma mostra organizada pela Revista Cinética, com produção minha e do amigo Rafael Sampaio e curadoria de Cléber Eduardo. A mostra exibirá 17 longas brasileiros realizados a partir da década de 60 e terá debates com críticos, teóricos e realizadores.
A mostra
Desde os primórdios, o cinema brasileiro buscou na realidade o tema para suas criações. Ao longo da história, diversas produções da cinematografia nacional fizeram citação explícita a épocas, contextos, personagens. Para analisar essa vertente do cinema brasileiro, a mostra Baseado em Caso Real apresentará uma programação de filmes assumidamente baseados em casos reais, produzidos entre os anos 1960 e 2000.
Baseado em Caso Real privilegia trabalhos com pouca circulação nos últimos anos e obras cuja repercussão foi provocada pelo caráter de re(a)presentação de um fato ocorrido. A mostra propõe um panorama que possibilita relacionar os filmes a seus momentos de realização. Por meio deles, é possível lidar com acontecimentos definidores de uma sociedade e com os modos cinematográficos de representá-los.
Estão na programação títulos como O Bandido da Luz Vermelha, clássico do cinema marginal assinado por Rogério Sganzerla, e Assalto ao Trem Pagador, de Roberto Farias, além de filmes de rara circulação, como Mineirinho Vivo ou Morto, de Aurélio Teixeira, e Cidade Ameaçada, de Roberto Farias. Uma coleção que mais do que narrar fatos, lança luz sobre a sociedade brasileira dos últimos 50 anos, por meio do discurso cinematográfico e suas diversas técnicas. Para refletir melhor sobre estas e outras questões, a mostra inclui, além das projeções, dois debates reunindo realizadores e intelectuais. No primeiro, intitulado Percurso Histórico dos Casos Reais, Hernani Heffner (pesquisador e chefe de conservação da cinemateca do MAM-RJ) e o diretor Roberto Farias são os convidados, com mediação do curador Cléber Eduardo. No segundo, em que será discutida A Questão da Re(a)presentação: Os Fatos e suas Encenações, o crítico José Carlos Avellar e o diretor Miguel Borges são os debatedores e a mediação fica por conta da também cinética Lila Foster.
A seleção de filmes prevista inclui nomes importantes do cinema brasileiro. Na direção, estão, além dos já citados, Luiz Sérgio Person, Bruno Barreto, Roberto Pires, José Padilha, Clery Cunha, Eduardo Escorel, Andrea Tonacci, Zelito Vianna, Walter Rogério, Silvio Da-Rin, Miguel Borges, Helvécio Ratton e Antônio Calmon. Nos elencos, protagonistas como Reginaldo Faria, Grande Otelo, Nuno Leal Maia, Hugo Carvana, Renata Sorrah, Paulo Viallaça, Helena Ignez, Caio Blat, Daniel de Oliveira, Maitê Proença, Fernanda Torres, Antônio Fagundes, Raul Cortez, Anselmo Duarte, Reginaldo Faria, Eva Wilma, Jardel Filho, Beth Goulart, Leila Diniz, Pedro Cardoso, entre outros.
Panorama dos Casos Reais
Os casos criminais, sejam de crimes passionais ou de conotação social (assaltos, sequestros), são mais freqüentes. Estão presentes em filmes como Assalto ao Trem Pagador (de Roberto Farias), Eu Matei Lúcio Flavio (de Antonio Calmon), Ato de Violência (de Eduardo Escorel), Mineirinho Vivo ou Morto (de Aurélio Teixeira) e O Caso Cláudia (de Miguel Borges), que mostram transgressões à lei, quase sempre com prejuízo para todos os lados, vítimas e criminosos, que em geral terminam presos ou mortos, levando a frente a máxima de que o crime não compensa também no cinema.
Há ainda os filmes com crimes vinculados à política, como são os exemplos de O Caso dos Irmãos Naves (de Luiz Sérgio Person), O Que é Isso Companheiro? (de Bruno Barreto) e Batismo de Sangue (de Helvécio Ratton), que tratam de situações de tortura e de iniciativas de luta armada contra a ditadura, com a clara intenção de colocar contra a parede as ações de governos totalitários e autoridades sádicas em suas atitudes. O mundo trabalhista é mostrado a partir de um caso real de demissão, por conta de um beijo em uma fabrica, em Beijo 2348-72 (de Walter Rogerio), que integra a ala cômica dos casos reais, explorando tanto o insólito das regras quanto o inusitado da desobediência a elas.
Embora se associe a noção de "baseado em caso real" com a ficção, como se o documentário já fosse em si real, a mostra prevê a exibição de dois filmes documentais, justamente porque, nesse tipo de registro no Brasil, são raros os exemplos de enfoques sobre casos ocorridos, de modo a se procurar reconstituí-lo verbal e visualmente. Nos documentários, há uma preferência por se tratar de personagens célebres ou grandes temas, quando se trata de algo do passado, sem tanta preocupação com situações mais específicas, como as tratadas em Hércules 56 (de Silvio Da-Rin) e Ônibus 174 (de José Padilha).

SERVIÇO

Baseado em Caso Real
De 21 de julho a 02 de agosto de 2009
Centro Cultural Banco do Brasil - Brasília
SCES, Trecho 2, cj. 22
(exibições em película, exceto onde indicado)
A programação completa pode ser acessada aqui.

7.11.08

Mostra de São Paulo 2008

Entre a finalização do documentário À Margem do Lixo (selecionado para o Festival de Brasília), a curadoria da Mostra CineBH e a pré-produção do curta Rosa e Benjamim, mais um ano em que lamentavelmente não consegui acompanhar a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Como registro, ficam apenas as cotações dos poucos filmes que vi:
  • A Fronteira da Alvorada, de Philippe Garrel - 3
  • Abaixando a Máquina, de Guillermo Planel e Renato de Paula - 2
  • Amigos de Risco, de Daniel Bandeira - 2
  • Cinzas do Passado Redux, de Wong Kar Wai - 2
  • Fronteira, de Rafael Conde - 2
  • Rebobine, Por Favor, de Michel Gondry - 3
  • Simples Mortais, de Mauro Giuntini - 2
  • Um Conto de Natal, de Arnaud Desplechin - 3

29.8.08

Shortbus

Shortbus, de John Cameron Mitchell, EUA, 2006 - DVD

Nos últimos anos temos visto uma boa quantidade de filmes não-pornográficos apropriarem-se do sexo explícito em suas narrativas. Filmes como Romance, Intimidade, Lúcia e o Sexo, Ken Park, Brown Bunny, 9 Canções, 29 Palms e Anjos Exterminadores, entre outros. A esse já extenso grupo, soma-se agora Shortbus, de John Cameron Mitchell, diretor de Hedwig: Rock, Amor e Traição.
É sobre como o diretor retrata o sexo e a cidade de Nova York pós-11 de Setembro que trato no texto recém-publicado na Cinética.
Leia a crítica do filme em:

25.8.08

Mostra Vivendo e Morrendo em SP

De 02 a 07 de setembro acontece no Centro Cultural São Paulo a mostra Vivendo e Morrendo em São Paulo, com produção e curadoria minha e de Cléber Eduardo. A mostra exibirá 18 produções em torno da relação conflituosa entre seus personagens e a cidade de São Paulo e terá debate com teóricos e realizadores.
A mostra parte de um olhar específico. O que mobiliza, em ficções e documentários, os dramas paulistanos? Quais as principais razões de sofrimento ou de conflito dos personagens na cidade? E em quais medidas a experiência específica na metrópole motiva essas feridas emocionais?
Essas questões serão colocadas por meio da exibição de 18 longas-metragens e da realização de um debate, que acontecerá no dia 04/09, às 14h, com a presença dos cineastas Ricardo Elias e Guilherme de Almeida Prado, do professor e pesquisador Rubens Machado Jr (da ECA-USP) e mediação de Cléber Eduardo.
A seleção não foi pautada pelo cânone, mas por um recorte no enfoque, levando-se em conta, sempre, a disponibilidade de cópias e a viabilidade dos direitos de exibição. Nos enredos presentes na programação, há procuras pelo par ideal na selva de rostos e imagens da metrópole, a perda desse par ou da esperança de encontrá-lo e os dissabores gerados por uma circunstância social, diante dos quais se resiste ou se tomba.
Pode-se afirmar em linhas gerais que, vivendo ou morrendo em São Paulo, os personagens primam pela “ausência” (pela perda ou pela falta). Pode ser ausência de casa, de afeto, de liberdade, de expectativas e de confiança. Não deixa de ser um olhar paradoxal para um espaço urbano marcado pelo acúmulo.
São filmes de 1968 a 2008, dirigidos por alguns dos mais expressivos cineastas do universo paulistano, alguns de fora da cidade, mas marcados sempre em seus percursos pelo olhar para o ambiente urbano da capital, como Rogério Sganzerla, João Batista de Andrade, Denoy de Oliveira, Suzana Amaral e Guilherme de Almeida Prado, surgidos entre os anos 60 e 80, que recebem o reforço de uma nova geração de diretores com olhares voltados para São Paulo, como Lina Chamie, Laís Bodansky e Ricardo Elias.
Podemos ver o ambiente das ruas, dos imigrantes nordestinos recém chegados, de um taxista, de um marginal, de uma jovem prostituta, de um jornalista policial, de um motoboy, de um rapaz de volta à cidade, de sujeitos de classe média, de presidiários, de jogadores, enfim, de um grupo multifacetado de personagens na cidade. A geografia dramatizada pelos 18 filmes transita da periferia aos Jardins, passando pelo metrô, pelo trem, por um presídio e por um estádio.
É notável a freqüência e proximidade da morte, presente de formas menos ou mais evidentes na maioria dos filmes de narrativa paulistana. Pode ser a morte no trânsito, como A Hora da Estrela, de Susana Amaral; A Via Láctea, de Lina Chamie; e Os 12 Trabalhos, de Ricardo Elias; ou por medo da perda, como Perfume de Gardênia, de Guilherme de Almeida Prado. Pode ser por contingências sociais, como O Baiano Fantasma, de Denoy de Oliveira; O Homem que Virou Suco e A Próxima Vítima, de João Batista de Andrade; e De Passagem, de Ricardo Elias; ou no extracampo do espaço filmado (O Prisioneiro da Grade de Ferro, de Paulo Sacramento). Pode ser uma morte, ainda, envolta no insólito, como em A Grande Noitada, de Denoy de Oliveira, ou como condição mítica, existencial e social (O Bandido da Luz Vermelha, de Sganzerla).
A morte pode ser também um estágio superado, como em O Caminho dos Campeões, de Eduardo Barioni, que terá sua primeira exibição pública nesta mostra; ou ainda a morte do próprio cinema como atestado de qualquer coisa, como em A Dama do Cine Shanghai, de Guilherme de Almeida Prado. Na morte aparente, porém, pulsa a vida. Se há a morte de um projeto de moradia, ou uma ausência de projetos, há também resistência em À Margem do Concreto, de Evaldo Mocarzel; assim como em Jogo Subterrâneo, de Roberto Gervitz, existe uma resistência ao fim do romantismo, ainda que, para sobreviver, esse romantismo precise se adaptar às novas experiências com espaços sociais, na qual a individualidade em público se torna somente imagem.
Em A Casa de Alice, de Chico Teixeira, e Bicho de Sete Cabeças, de Laís Bodansky, a vida resiste à família, ou é ameaçada pela mesma, colocando os problemas na esfera íntima dos personagens ao invés de colhê-los fora de casa e introjetá-los na vivência doméstica. Essa fusão entre o fora e o dentro – entre a cidade, o personagem e a casa – é a base também de Nina, de Heitor Dhalia, no qual a morte igualmente ronda a vida de uma jovem confusa entre exterior e interior em sua vivência.
Temos, por fim, um amplo painel de retratos e olhares sobre a capital paulista, seus dramas e as feridas emocionais que causam em seus habitantes e personagens. Convidamos ao público para um mergulho nesse universo onde, quem sabe, poderá encontrar o reflexo de sua própria relação com a cidade.
SERVIÇO
Vivendo e Morrendo em São Paulo
De 02 a 07 de setembro de 2008
Centro Cultural São Paulo
R. Vergueiro, 1000
ENTRADA FRANCA
(exibições em película, exceto onde indicado)
A programação completa pode ser acessada aqui.

4.8.08

Era Uma Vez...

Era Uma Vez..., de Breno Silveira, Brasil, 2008 - Cabine

Sabemos que Era Uma Vez..., novo longa de Breno Silveira, foi concebido antes de Dois Filhos de Francisco, filme que acabou sendo uma das estréias mais bem sucedidas do cinema brasileiro. Embora seja um exercício inútil tentar imaginar como seria o filme se tivesse sido realizado na época em que foi idealizado, o fato é que, da maneira como acabou sendo apresentado ao público, Era Uma Vez... representa uma mudança radical na visão do diretor sobre o país. Se ainda temos aqui a fotografia estetizante a mostrar nossas belezas naturais e a música como artifício fundamental para conduzir a emoção do espectador, Era Uma Vez... aponta para uma percepção muito mais negativa do Brasil.
É sobre esse visão de país que Breno Silveira apresenta em seu novo filme que trato no texto recém-publicado na Cinética.
Leia a crítica do filme em:

1.7.08

Dulce Veiga e Os Desafinados

Onde Andará Dulce Veiga?, de Guilherme de Almeida Prado, Brasil, 2007 - Mostra Tiradentes
Os Desafinados, de Walter Lima Jr, Brasil, 2008 - Mostra CineOP

É curioso ver Onde Andará Dulce Veiga?, novo filme de Guilherme de Almeida Prado, à luz de outro filme prestes a chegar às salas de cinema: Os Desafinados, de Walter Lima Jr. Um diretor surgido na década de 80, outro nos anos 60; ambos voltando nestes seus mais recentes trabalhos ao período em que se lançaram no cinema, tendo como ponto de partida comum a suas tramas o desaparecimento/morte de uma antiga cantora, que leva seus personagens a reviver traumas ainda não cicatrizados de seus passados. Nos dois filmes abundam referências cinéfilas (como não poderia deixar de ser em se tratando desses dois diretores) e musicais, onde Acossado e "Meditação" são apenas as duas mais curiosas e explícitas coincidências.
Mas é onde esses filmes começam a se diferenciar que surge o que há de mais sintomático na postura de seus diretores. É sobre essas características que diferenciam o olhar para o passado de ambos os filmes - e o que isso implica no cinema presente e futuro desses dois cineastas - que trato no texto recém-publicado na Cinética.
Leia a análise em:

29.3.08

Serras da Desordem

Serras da Desordem, de Andrea Tonacci, Brasil, 2006 - Mostra SP

Para além de seu caráter ensaístico, como proposta estética Serras da Desordem é uma experiência arrebatadora, um verdadeiro OVNI na atual produção cinematográfica brasileira.
Sua mistura singular entre o registro documental e ficcional, a utilização dos próprios personagens na reencenação de sua história (ecos tardios de Robert Flaherty?), os planos-seqüência dilatados no registro da vida primitiva, as seqüências de montagem e sobreposições de imagens, tudo colabora para uma experiência de imersão nessa registro audiovisual.
É sobre as características que fazem de Serras da Desordem uma inquieta e fascinante experiência que trato no texto recém-publicado na Cinética.
Leia a crítica do filme em:

15.3.08

Mostra Eu é um Outro

Começa no próximo dia 18 de março e vai até o final do mês, na Caixa Cultural do Rio de Janeiro, a mostra “Eu é um Outro – O Autor e o Objeto no Documentário Brasileiro Recente”. Com produção minha e curadoria de Eduardo Valente e Cléber Eduardo, a mostra nasce do desejo de ampliar as fronteiras do olhar do espectador para o fazer documental, através da exibição de 36 longas metragens produzidos a partir de 2000 e seis debates com pensadores e realizadores.

Desde os primórdios da linguagem documental no cinema, uma das principais questões que se colocam ao diretor que decide registrar um ser humano são as diferentes formas de relação que o autor pode ter com esse objeto. De Nanook – O Esquimó a Fahrenheit 11 de Setembro, muita coisa mudou, mas as implicações morais e éticas por trás da idéia do retrato da realidade de uma vida continuam sendo questionadas.

Em meio ao reconhecimento que o documentário brasileiro tem recebido nos últimos anos, pouco tem se discutido as diferentes formas com que seus diretores têm usado os limites desta proximidade e distanciamento com seus “personagens” (termo que passou a ser muito usado no documentário a partir de Eduardo Coutinho, o mais reconhecido cineasta brasileiro no formato). Esta mostra tenta discutir algumas das questões envolvidas ao se ligar uma câmera e apontá-la para alguém, fazendo isso através de destacados exemplos da produção nacional recente.

Partindo de uma totalidade de documentários exibidos pelo menos uma vez em salas de exibição, procurou-se localizar as características mais recorrentes e, entre elas, escolher as mais estimulantes e/ou representativas de facetas do documentário hoje no Brasil, sempre partindo da relação viva entre sujeito (o autor do documentário) e objeto (o seu tema/personagem). Chegou-se dessa forma a um panorama de 36 filmes, divididos em seis sessões, cada uma delas levantando questões das mais relevantes a partir da produção documental brasileira contemporânea:

Íntimo e Pessoal: Proximidade e distanciamento talvez seja a sessão que reúna uma presença mais evidente do realizador. Todos os seis filmes escancaram a proximidade entre o seu assunto/personagem principal e aquele que realiza o filme. A sessão passa por relações familiares, de filha com pai (Person); de mulher com marido (Diário de Sintra); de indivíduo com herança genético-nacional (Um Passaporte Húngaro). Mas também exibe as relações de amizade e admiração, sejam elas prévias (Banda de Ipanema), adquiridas no processo de filmagem (Seo Chico), ou mediadas por relações de classe/trabalho (Santiago). Em todos os seis filmes, o lugar privilegiado de onde o realizador observa o seu objeto é colocado em questão, assim como as estratégias para chegar (ou não) a um possível distanciamento.

Ilustres Conhecidos e Ilustres Anônimos: a performance da singularidade exibe uma das vertentes mais habitadas pelo documentário contemporâneo. Por um lado, temos os personagens-personalidades, figuras mais do que conhecidas do espectador antes de entrar na sala de exibição (aqui representados por Oscar Niemeyer, Nelson Freire e Tom Zé); por outro, temos o personagem do Homem ordinário, mostrados sempre em seu teor extraordinário (Moacyr, Estamira, e os moradores do Edifício Master). Com exceção do filme de Eduardo Coutinho, os outros cinco exercem vertentes aparentemente opostas do documentário biográfico, sem dúvida um dos mais exercitados no mundo. De perto, veremos que uns e outros buscam a mesma idéia do personagem único e inigualável – ainda que alguns já sejam legitimados pela memória histórica, e outros estejam por ser legitimados a partir do seu saber popular ou de sua lógica particular (e peculiar).

Ontem é Hoje: memória e presentificação lida com uma questão particularmente cara ao cinema de forma geral, mas ainda mais no caso do documentário. Na necessidade de montar-se discursos sobre um passado, sejam eles de ordem biográfica (O Engenho de Zé Lins), histórica (Hércules 56) ou artístico-geográfica (Vinicius, A Mochila do Mascate), os filmes expõem visões sempre necessariamente fincadas no presente de sua realização. Cabe ao realizador lidar de formas diferentes com este “deslocamento temporal” entre tempo retratado e tempo vivido, lidando com várias decisões de uso de materiais, como os arquivos audiovisuais, ou as entrevistas em que os personagens colocam sua memória e a forma de articulá-la como assunto do próprio documentário (algo que está ainda mais fortemente explícito na estrutura de Morro da Conceição e Pretérito Perfeito).

Em Processo: variações sobre o dispositivo coloca lado a lado documentários pautados pelo imprevisto, numa proposta de realização que coloca a filmagem como matéria-prima de uma dramaturgia documental, o filme como produto de contingências sobre as quais não tem controle. A idéia que os filmes comportam é menos a de registrar uma determinada realidade anterior à sua realização, mas a de registrar a sua própria realização como uma realidade de interesse. Como diz o título da sessão, são filmes que apostam na dinâmica que surgirá a partir de seus processos e regras de realização (33, O Fim e o Princípio), na própria dinâmica incerta dos processos que documentam (Vocação do Poder), chegando à radicalização da entrega da câmera a uma outra pessoa (O Prisioneiro da Grade de Ferro). A sessão exibe também dois filmes que, aparentemente partindo de pontos de partida mais “tradicionais” (o documentário de aventura, no caso de Extremo Sul; o documentário de biografia de “ilustres anônimos”, em A Pessoa é para o que Nasce), acabam ganhando uma outra dimensão pela necessidade de incorporar e explicitar seus processos devido a fatos que se dão ao longo de suas realizações.

A Parte pelo Todo: generalizando o específico nos mostra filmes em que, partindo-se sempre do específico, monta-se (consciente ou inconscientemente pela parte do realizador) um discurso cuja leitura obrigatoriamente se expande para além das fronteiras do objeto direto do interesse dos realizadores. Assim, a partir de individualidades (Ônibus 174), instituições (PQD ou Justiça), grupos sociais (À Margem da Imagem) ou espaços regionais (2000 Nordestes, Viva São João), os filmes parecem nos obrigar a reflexões e observações que vão muito além da experiência documentada. Se o Brasil parece especialmente afeito a se pensar desta maneira a partir das expressões artísticas (basta ver a recente polêmica envolvendo o Capitão Nascimento de Tropa de Elite), estes filmes nos colocam questões relevantes sobre objetivos e discursos.

Impressão da Expressão ou Expressão da Impressão: o eu e o outro mostra filmes que procuram a aventura da descoberta – se não de realidades, situações e problemas, certamente uma descoberta de aproximações com mundos e seres. São filmes onde a maneira de ver do realizador salta aos olhos em primeiro plano, onde não há maneira de enxergar uma “realidade dada”, mas sim uma maneira de olhar para ela. Partindo de temas tão diferentes quanto o cotidiano de uma cidade (Sábado à Noite) ou figuras anônimas e seus modos de vida (Andarilho), os filmes expõem a vertente mais abertamente “cinematográfica” do documentário, onde a linguagem se sobrepõe aos temas. Não deixa de ser curioso notar que a maioria dos filmes busca a relação com fenômenos artísticos (Cartola, Rocha que Voa) ou culturais (500 Almas, Aboio), tentando criar a partir dos seus diretores um diálogo audiovisual com o universo que tentam mostrar.

* * *

Ao final desta programação, espera-se que o espectador possa encontrar-se menos cheio de certezas do que instigado a pensar, e acima de tudo, conhecer melhor esta produção documental, que é maior que os clichês de discurso sobre ela espalhados. Em última instância, a mostra “Eu é um Outro” levanta este retrato do hoje no documental brasileiro: como se está usando a tecnologia de nosso tempo para olhar para algo da vida e do mundo? O que se tem mostrado? De que forma? Com quais objetivos? Com quais efeitos? Descubramos então, todos juntos.


SERVIÇO
Eu é um Outro – O Autor e o Objeto no Documentário Brasileiro Contemporâneo

De 18 a 30 de Março de 2008
Caixa Cultural do Rio de Janeiro
Av. Almirante Barroso, 25
Cine 1 (exibição em película) e 2 (exibição digital)
ENTRADA FRANCA
Para mais detalhes sobre a programação, visite:

Entrevista à Rede Minas


Durante a Mostra de Tiradentes, dei uma pequena entrevista à Rede Minas. Ela foi ao ar no último dia 14 de março e, para quem tiver curiosidade, pode ser vista aqui: http://www.cinemagazine.com.br/video.php?nomeBloco=PLANOGERAL&bloco=PG&pasta=551&dia=14/03/2008

11.2.08

Estéticas da Biopolítica

Ao longo de todo o segundo semestre do ano passado estive envolvido no projeto Estéticas da Biopolítica - Audiovisual, Política e Novas Tecnologias, do qual fui produtor e um dos editores, juntamente com Ilana Feldman, André Brasil e Cezar Migliorin.
Trata-se de uma edição especial da Cinética - produzida no âmbito do programa Cultura e Pensamento, do Ministério da Cultura - que trata da convergente relação entre o conceito de biopolítica de Foucault, o audiovisual contemporâneo e as novas tecnologias de comunicação e informação.
Para a realização do projeto, convidamos 21 debatedores e colaboradores, entre críticos, ensaístas, pesquisadores e artistas, de diversas regiões do Brasil e da América Latina, para, cada um a sua maneira, e a partir de sua própria produção e reconhecida reflexão na área, discutir o tema em questão.
O site, disponibilizando ensaios críticos, audiovisuais, entrevistas, indicações e fórum de discussão, já está no ar.
Para visitá-lo, acessem:
http://www.revistacinetica.com.br/cep

1.2.08

Mostra Tiradentes 2008

Sem querer justificar minha ausência por aqui, estive de 17 a 26 de janeiro acompanhando e trabalhando na 11ª Mostra de Cinema de Tiradentes. A edição deste ano, sob a curadoria de Cléber Eduardo, foi particularmente especial, não apenas pela qualidade geral da programação, mas pela criação da Mostra Aurora, dedicada a diretores em início de filmografia em longa e que este ano contou exclusivamente com longas-metragens de estréia (dois do Ceará, dois de Pernambuco, um do Rio Grande do Sul, um de São Paulo e outro do Rio de Janeiro, o que por si só já demonstra a descentralização dessa nova produção).
A grande novidade deste ano foi a confirmação de um novo modelo de produção, com um cinema em digital realizado com baixíssimo orçamento e, muitas vezes, sem recursos de editais e leis de incentivo. Se enquadram nessa vertente da produção filmes como os cariocas Alucinados, de Roberto Santucci, e Meu Nome é Dindi, de Bruno Safadi (que levou o prêmio de Melhor Filme do Júri da Crítica); os pernambucanos Amigos de Risco, de Daniel Bandeira, e Crítico, de Kleber Mendonça Filho; e Meu Mundo em Perigo, de José Eduardo Belmonte.
São filmes com propostas e resultados bastante distintos, mas que se utilizam das possibilidades abertas pela tecnologia digital para conseguirem uma maior liberdade e viabilizarem projetos que não seriam produzidos de outra forma. Dois dos sete filmes da Mostra Aurora foram exibidos em projeção digital. Outros quatro foram captados em vídeo e convertidos para 35 mm. Apenas o paulista Corpo, de Rosanna Foglia e Rubens Rewald foi rodado originalmente em película.
As produções do Nordeste, em especial de Pernambuco e Ceará, demonstraram ainda uma nova cena surgindo, com um cinema feito entre amigos, com profissionais trabalhando uns nos filmes dos outros. Dessa forma, temos o diretor de Sábado à Noite (Melhor Filme pelo Júri Jovem), Ivo Lopes Araújo, assinando a fotografia de O Grão, de Petrus Cariry. Por sua vez, Daniel Bandeira, diretor de Amigos de Risco, fez os letreiros e animações de Crítico, de Kleber Mendonça Filho (de quem já havia montado Vinil Verde e co-dirigido A Menina do Algodão).
A seleção de curtas e vídeos reforça o surgimento dessa nova cena, com Pernambuco representado por três curtas – incluindo Ocidente, de Leonardo Sette (responsável por entrevistas adicionais em Crítico) e Décimo Segundo, de Leonardo Lacca (que teve edição de som de Kleber Mendonça Filho) – e o Ceará com dois curtas e sete vídeos na programação.
O que se pode ver ainda é uma enorme renovação das equipes, seja na figura dos diretores (vários estreantes da Mostra Aurora estão abaixo dos 30 anos), técnicos (com especial destaque para os fotógrafos Lula Carvalho e Ivo Lopes Araújo) e atores (onde Eucir de Souza, Rosanne Mulholland, Djin Sganzerla, Irandhir Santos, João Miguel e Nash Laila destacaram-se em Tiradentes, seja nas telas ou nos debates).
Saindo da seara dos meios de produção, é possível detectar ainda algumas opções dramáticas que aproximam diversos filmes da programação. É o caso da opção pela concentração de todo o enredo em um curto espaço de tempo (um dia ou uma noite), envolvendo o deslocamento dos personagens ou do filme por uma cidade. Em Ainda Orangotangos, é a cidade de Porto Alegre. Alucinados circula pelo Rio de Janeiro, Amigos de Risco pelo Recife, Sábado à Noite por Fortaleza. São obras onde o estar naquele espaço é questão fundamental para o filme e fator determinante das situações retratadas.
Também foi notável a presença de filmes de recusa às organizações, sem totalizar demais as situações. Alguns compartilham com seus personagens essa crise da percepção, transformando a narrativa e a dramaturgia em elaborações de sentidos rarefeitos, que procuram a autonomia dos fragmentos e a atenção para a experiência evidenciada. Pode-se perceber ainda a recorrência do plano-seqüência em alguns filmes: a câmera que caminha por Porto Alegre em Ainda Orangotango, que olha para alguns locais de Fortaleza em Sábado à Noite, que fixa-se nos ambientes de uma família em O Grão, que circula atrás de sua protagonista por diferentes ambientes em Meu Nome é Dindi.
De maneira geral, essas foram as principais características que me chamaram a atenção na programação deste ano. Fato é que há aí uma novíssima geração de promissores cineastas que estão dando as costas para o atual modelo de produção (dos editais e leis de incentivo) e estão fazendo filmes urgentes, preciosos, arriscados e belíssimos. Pode estar saindo daí a solução para a atual encruzilhada na qual o cinema brasileio chegou com esse modelo falido de financiamento. Resta cruzar os dedos e acompanhar atentamente a carreira desses diretores.
Para mais detalhes sobre a programação deste ano, vale dar uma olhada no site da mostra:

2.1.08

Retrospectiva 2007

2007 foi um ano onde o excesso de atividades se sobrepôs à freqüência ao cinema. Como pôde observar o leitor do Enquadramento, as críticas de filmes em cartaz diminuíram em função de outros trabalhos, como a produção do novo documentário de Evaldo Mocarzel (À Margem do Lixo) e do Festival de Guararema; a participação em eventos como o Panorama do Cinema Mundial, a Semana de Cinema da UFSC e a Mostra CineBH; a preparação da aula e ensaio sobre o cinema popular brasileiro do século XXI para o curso Recortes Sobre o Audiovisual Contemporâneo; a cobertura do Festival de Berlim e, por fim, a análise de importantes movimentos na política audiovisual brasileira, como a nefasta campanha da ABTA contra a tentativa de regulamentação das programadoras de TV por assinatura e os resultados dos editais da Petrobras e BNDES, os dois maiores patrocinadores do cinema brasileiro.
Um ano intenso, mas onde muitos filmes acabaram passando sem serem visto, o que prejudica sensivelmente as tradicionais retrospectivas de fim de ano. Filmes importantes – seja pela obra pregressa de seus diretores, seja pela repercussão que causaram – não foram vistas e poderiam alterar a composição da relação abaixo, caso de A Leste de Bucareste, O Hospedeiro, O Ultimato Bourne, Anjos Exterminadores, Os Donos da Noite, Novo Mundo, Mutum, A Via Láctea e Os 12 Trabalhos, por exemplo.
Feita essa ressalva, listo abaixo os filmes que mais me atrairam entre aqueles que vi nas estréias de 2007. É possível observar algumas aproximações entre os títulos listados (reflexo de tendências na produção contemporânea ou da predileção de meu olhar?), como o olhar sensível e atento de filmes como Medos Privados, Cão Sem Dono e Em Paris aos pequenos dramas dos relacionamentos humanos; as crises dos protagonistas de Maria, Em Busca da Vida e Maria Antonieta com as mudanças em curso no tempo em que vivem; e o colocar em xeque (e sob risco de colapso) a percepção do espectador de Império dos Sonhos, Possuídos e Jogo de Cena. Ao leitor/espectador cabe encontrar outras relações entre os títulos, discutir ou discordar sobre sua seleção entre os melhores do ano e eleger seus próprios favoritos. Os meus seguem abaixo:

10+ 2007
  1. Maria, de Abel Ferrara
  2. Em Busca da Vida, de Jia Zhang-ke
  3. Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho
  4. Possuídos, de William Friedkin
  5. Medos Privados em Lugares Públicos, de Alain Resnais
  6. Império dos Sonhos, de David Lynch
  7. Maria Antonieta, de Sofia Coppola
  8. Cão Sem Dono, de Beto Brant e Renato Ciasca
  9. Em Paris, de Christophe Honoré
  10. Tropa de Elite, de José Padilha

Menção Honrosa: Dias Selvagens, de Wong Kar-wai, que finalmente foi lançado em telas brasileiras, 16 anos após sua estréia no Festival de Berlim.

5+ Brasil

  1. Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho
  2. Cão Sem Dono, de Beto Brant e Renato Ciasca
  3. Tropa de Elite, de José Padilha
  4. A Casa de Alice, de Chico Teixeira
  5. Santiago, de João Moreira Salles

28.12.07

Lições turcas

Apesar de suas enormes diferenças, os cinemas nacionais da Turquia e do Brasil guardam muitas semelhanças quando analisamos sua relação com o público local nas últimas décadas – e o país eurasiático tem muito a nos ensinar quando o assunto é a ocupação do próprio mercado.
Lá como cá, a produção local, após alguns anos de diálogo estreito com seu público (no Brasil, particularmente entre 1976 e 1983; na Turquia, de 1965 a 1975) sofreu um enorme golpe de viés político e econômico que a precipitou não apenas ao esquecimento, mas à posição de vergonha nacional no imaginário popular, para só nos últimos anos reconquistar o seu espaço.
É sobre as aproximações e distanciamentos históricos entre os cinemas da Turquia e do Brasil de que trato no artigo recém-publicado na Cinética, fruto do seminário que ocorreu em novembro no Reserva Cultural.
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Autalização de 04/Janeiro: Uma versão reduzida deste artigo foi publicada na edição deste mês da revista Reserva Cultural, disponível nas bancas da Av. Paulista.

15.12.07

Ancinav Redux

Semana passada, a Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA) lançou uma campanha (que inclui um abaixo-assinado endereçado ao Congresso Nacional, a criação de um site específico e a veiculação de um comercial em suas afiliadas) contra o Projeto de Lei 29/2007, que propõe, entre outras coisas, uma cota de canais nacionais nos pacotes das operadoras de TV por assinatura, assim como a obrigatoriedade dos canais estrangeiros de dedicarem parte de sua programação à produção brasileira independente.
Em sua campanha, a ABTA lança mão de ameaças e desinformações para manobrar a opinião pública contra um projeto de lei sobre o qual ela pouco tem informação (e a pouca informação que tem, veiculada pela própria Associação em sua campanha, é distorcida e manipulada), em uma estratégia muito semelhante à que foi utilizada há três anos para barrar a criação da Ancinav.
É sobre essa estratégia digna de repulsa da ABTA e sobre as verdadeiras implicações do Projeto de Lei proposto pelo Governo de que trato no artigo recém-publicado na Cinética.
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8.12.07

Edital BNDES 2007

A política pública para o cinema brasileiro tem muitas vezes cenas que deixariam as mais escrachadas chanchadas da Altântida no chinelo - e, em tempos de clamores por um "choque de capitalismo" no cinema brasileiro, a lista de projetos pré-selecionados pelo edital do BNDES é um exemplo perfeito da falta de uma política articulada e de critérios claros a nortear os investimentos em nossa produção.
É sobre as incongruências dessa seleção em relação às suas próprias regras e às demais linhas de financiamento para o cinema brasileiro do próprio BNDES de que trato no artigo recém-publicado na Cinética.
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